Publicado pela Duo Editorial
Enquanto curador deste seminário, faço minhas as palavras de Leonardo Brant sobre o livro "O Avesso da Cena: Notas sobre produção e gestão cultural": Considero o Avesso da Cena, de Romulo Avelar,
o melhor livro do mercado sobre gestão cultural. Abrangente e contemporâneo,
nos traz um panorama crítico, realista e construtivo do mercado e das
políticas de cultura."
Produtor e gestor cultural, Romulo Avelar foi
responsável pela produção e direção de diversos espetáculos musicais.
Administrador de empresas, estudou na Escola de Produção Cultural da Fundição
Progresso do Rio de Janeiro. Atuou em empresas como Fiat, MBR e Teatro
Alterosa, e na área pública, como Superintendente de Cultura de Contagem,
Diretor de Promoção da Fundação Clóvis Salgado – Palácio das Artes, Assessor
Especial da Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais e Presidente da
Comissão Técnica de Análise de Projetos da Lei Estadual de Incentivo à Cultura.
Nos últimos anos, tem ministrado cursos nas áreas de produção, planejamento e
gestão cultural, em várias cidades brasileiras. Atualmente trabalha como
Assessor de Planejamento do Grupo Galpão e do Grupo do Beco.
Em 2009, no site Cultura e Mercado, do próprio Brant, Romulo Avelar deu esta entrevista bastante atual que vale a pena reler:
Leonardo Brant - Como você enxerga o
mercado cultural no Brasil com a crise financeira?
Romulo Avelar – Imagino que o mercado
cultural possa vir a sofrer alguns impactos negativos, dada a extensão da
crise. Nosso setor sempre foi especialmente sensível às variações da economia
e, portanto, podemos esperar turbulências. Entretanto, não acho que elas terão
proporções devastadoras. O ritmo acentuado de crescimento da produção cultural
brasileira na última década me faz crer que, passados os primeiros ventos da
crise, retomaremos uma curva ascendente. Penso que esse movimento de expansão é
uma tendência irreversível, bem mais forte do que qualquer crise. Vejo um
futuro promissor para o setor cultural brasileiro, mesmo que, num próximo
momento, possamos experimentar alguma estagnação.
LB – As mudanças na Lei Rouanet propostas
pelo Ministério da Cultura surtirão o efeito esperado?
RA – Penso que o Ministério da Cultura acerta
ao propor percentuais de renúncia fiscal mais significativos nos casos de
projetos orientados para a democratização do acesso e a participação da sociedade.
O Estado precisa retomar seu papel intransferível de condutor da política
cultural brasileira e de mediador das relações entre os empreendedores
culturais e o mundo empresarial. As empresas devem ser convidadas a participar
com parte dos recursos, especialmente nas ações claramente orientadas para o
mercado. Além disso, considero também oportuna a idéia de estipular, para
institutos e fundações ligados a patrocinadores, uma cota mínima de 20% de
investimento em produções independentes.
É claro que mudanças dessa natureza carregam o
risco de provocar a fuga de parte das empresas que hoje usufruem dos benefícios
de 100% permitidos pela lei. Entretanto, acho que esse problema deve ser
enfrentado pelo MinC, mas de maneira cautelosa. Afinal, não podemos perder de
vista o fato de que a cultura brasileira está assentada sobre o pilar da
legislação de incentivos. Talvez seja recomendável implantar essas mudanças de
forma gradativa, para que elas realmente promovam os efeitos esperados.
Outro ponto delicado nesse processo é a pontuação
que definirá o percentual de renúncia a ser oferecido às empresas por cada
projeto. Conhecemos bem a limitação do Ministério quando se trata de
estabelecer critérios para análise das propostas. Hoje cada parecerista
contratado trabalha a partir de suas convicções pessoais sobre o que seria um
projeto adequado. O que vale para um projeto não vale para o outro e
vice-e-versa. Não existe normatização, o que gera muitos aborrecimentos e
dúvidas para os proponentes. A persistir tal quadro, teremos muitos problemas
pela frente.
LB – Em sua opinião, quais os elementos
mais importantes na formação de um gestor cultural?
RA – A formação de um gestor cultural passa
necessariamente pela busca de um nível razoável de conhecimentos sobre os
processos de produção característicos das diversas áreas artístico-culturais;
pelo domínio de ferramentas da administração como planejamento, gestão
financeira, gestão de recursos humanos, logística e gestão da qualidade; pelo
desenvolvimento da capacidade de articulação e de negociação; pela
familiarização com os instrumentos de financiamento à cultura e pelo domínio de
habilidades específicas para a elaboração de projetos, incluindo sua redação.
A esses requisitos técnicos deve se somar a busca
de uma visão ampliada do conceito de cultura, que ultrapasse a dimensão do
espetáculo; o refinamento do olhar para a valorização das tradições e das
riquezas locais e, ao mesmo tempo, para a dinâmica do mundo contemporâneo. É
desse profissional polivalente, empreendedor e sensível à diversidade
brasileira que tanto precisamos. A questão da formação de gestores culturais
precisa ser colocada na pauta do dia e se transformar em política pública.
LB – Que balanço você faz da gestão
Gilberto Gil frente ao Ministério da Cultura e quais os próximos desafios da
gestão Juca Ferreira?
RA – Considero significativos os ganhos da
gestão Gilberto Gil no que diz respeito à visibilidade conquistada pela pasta.
O mesmo pode ser dito em relação a uma série de avanços conceituais e institucionais
registrados no período em que ele esteve à frente do Ministério. A discussão de
políticas públicas para a cultura ganhou um patamar inédito na história do país
e se fez de forma participativa, o que é louvável. Eu vejo o envolvimento da
sociedade civil e das instâncias públicas estaduais e municipais na construção
de marcos legais para o setor como um grande avanço. Outra conquista importante
foi a criação do programa Cultura Viva. A idéia dos Pontos de Cultura, por si,
já justificaria a passagem de Gil pelo MinC.
Entretanto, se do ponto de vista da discussão e
formulação de políticas o balanço foi positivo, o mesmo não pode ser dito,
infelizmente, em relação à condução do dia-a-dia. Há problemas operacionais
graves que vêm se acumulando em Brasília, gerando dificuldades para boa parte
daqueles que dependem das ações do Ministério. Excessos burocráticos, falta de
normatização adequada, falta de padronização nas decisões e pareceres,
descumprimento de prazos, mau atendimento ao público e perda de documentos se
tornaram uma constante na tramitação de projetos. Tenho a impressão de que
faltam no MinC gestores capazes de avaliar o real impacto de certas decisões
burocráticas na vida de quem está do outro lado, produzindo. Em nome da
legalidade são cometidos muitos equívocos.
Além do desafio de colocar ordem na casa sob o
aspecto administrativo, o ministro Juca Ferreira tem outros pontos delicados a
tratar, como a ampliação do volume de recursos destinados à pasta; a colocação
em prática de tudo aquilo que foi construído coletivamente nos últimos anos; a
mudança no modelo de financiamento à cultura, hoje refém das leis baseadas na
renúncia fiscal; e a gestão democrática e transparente dos recursos do Fundo
Nacional de Cultura, com a indispensável participação de representantes da
sociedade civil.
LB – Em sua opinião, o que ficará de
concreto em nossas políticas culturais no âmbito federal para o próximo
governo?
RA – O Programa Cultura Viva, o Plano
Nacional de Cultura e, sobretudo, a demonstração de que é possível construir
políticas públicas de forma participativa.
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